Há tempos o Arqt.º José Salgado autografou-nos um dos números da nova monografia de Matosinhos com a dedicatória: “Em lembrança dos velhos tempos dos eléctricos…”. Esta tocou-nos o coração e espevitou-nos a memória relativamente a um meio de transporte que utilizámos, e com o qual convivemos durante toda a nossa vida de estudante e que vimos, com tristeza desaparecer primeiro da paisagem de Leça da Palmeira e mais tarde praticamente de toda a cidade do Porto e arredores, assistindo agora a um ressurgir tímido mas de saudar.
Sempre conhecemos como entidade exploradora dos carros eléctricos, o Serviço de Transportes Colectivos do Porto, vulgo S.T.C.P., com sede na avenida da Boavista, onde nos deslocámos para tratarmos do passe de estudante, documento que nos permitia viajar para o Liceu Nacional D. Manuel II, no Porto, a um preço mais acessível. Estamos até convencidos que, para além do esforço de toda a família, principalmente do nosso pai, foi um facto que nos permitiu frequentar o liceu; pois, o acesso ao Porto era fácil e rápido, uma vez que de Matosinhos à Carvalhosa demorava trinta minutos, ao preço de 1$20 (doze tostões) mas que logo subiu para 1$50 (quinze tostões).
Sabemos também que o S.T.C.P. sucedeu à Companhia Carris de Ferro do Porto e à Companhia Carril Americano, as quais asseguraram durante muitos anos os transportes públicos para Matosinhos e Leça da Palmeira a tracção a vapor e a tracção animal, respectivamente. Mais modernamente passou a ser utilizada a tracção eléctrica.
Os carros americanos, a tracção animal ainda chegaram a vir a Leça, contudo do que as gerações menos novas se lembram é dos nossos queridos carros eléctricos, das linhas 1, 5, 16 e 19 que proporcionavam viagens maravilhosas nos seus trajectos do Porto até Leça e volta.
A Linha 1 era um espectáculo! Com um percurso ente a Praça da Liberdade (D. Pedro) e a praia de Leça da Palmeira, sempre pela marginal, junto ao mar, tendo normalmente um atrelado.
A Linha 5, também normalmente com atrelado, fazia o trajecto da praia de Leça ao Carmo, subindo a Avenida da Boavista, passava a rua do mesmo nome, Carvalhosa, Cedofeita, Praça de Carlos Alberto e Cordoaria, contornando o edifício da Faculdade de Ciências, passava os Leões, descia ao Hospital de Santo António, entrava na Rua do Rosário, vinha à Carvalhosa, retomando a partir daí o caminho de ida.
A Linha 16 fazia o percurso de Leça, junto ao actual quartel dos Bombeiros de Leça da Palmeira, onde fazia agulha; isto é, mudava de linha, tendo como consequência ser necessário virar os bancos, para o que os mesmos tinham as costas móveis. Subia a Avenida da Boavista em direcção à Praça da República, descia Gonçalo Cristóvão, entrando na Rua de Santa Catarina a caminho da Praça da Batalha, a qual contornava fazendo o mesmo percurso no regresso.
A Linha 19, fazia o trajecto entre a Praça da Liberdade e Leça, até junto aos bombeiros; subindo as ruas dos Clérigos e Carmelitas, atravessava a Praça dos Leões, jardim do Carregal, entrando na Rua de D. Manuel II, Palácio, rua Júlio Dinis, rotunda da Boavista (Praça Afonso de Albuquerque) descia a Avenida em direcção a esta nossa linda terra.
Feita esta vista panorâmica sobre os trajectos não podemos deixar de referir alguns episódios relacionados com carros eléctricos, que nos marcaram, como o acidente do nosso irmão Joaquim que quando tentava apanhar o eléctrico já em andamento, que o transportaria à Escola Industrial Infante D. Henrique, onde frequentava o curso de serralheiro mecânico, caiu, magoando-se imenso, levando a um prolongado internamento no Hospital de Matosinhos, tendo a nossa mãe Brízida em hora de aflição, prometido uma coroa em prata para Nossa Senhora de Fátima, que à data existia no Hospital. Ainda hoje a nossa mãe guarda as canetas e os lápis que o nosso irmão transportava no bolso do casaco e que ficaram esmagados sob os pesados rodados.
Mas nem tudo era triste, como o episódio que acabamos de contar, pois deslocando-se o nosso pai, semanalmente à segunda-feira, à rua dos Caldeireiros, na Cordoaria, para aquisição do material para trabalhar, por vezes levava-nos com ele, e nós muito pequenos como gostávamos daquela viagem comentada!
Apanhávamos o eléctrico da linha 5 no fim da nossa rua junto aos bombeiros, e depois de passada uma vista de olhos ao jornal eis que chegávamos à Circunvalação e aí começava a descrição pelo Castelo do Queijo. Subindo a Avenida da Boavista logo no inicio o Café Bela Cruz, depois eram os belos palacetes, a Fábrica dos Ingleses (William Grham) no Pinheiro Manso, entretanto chegávamos à Rotunda da Boavista, e já de longe comentávamos o Monumento à Guerra Peninsular, admirando lá no alto o leão em cima da águia. Na rua de Cedofeita não deixava de apontar o Bazar dos Três Vinténs repleto de brinquedos que nos limitávamos a ver na montra. Logo de seguida a Praça de Carlos Alberto com o momento aos Mortos das Grandes Guerras, e eis-nos chegados ao Jardim da Cordoaria, hoje completamente desfigurado.
Antes de regressarmos ainda íamos ver o Mercado do Bolhão, e ao lago da Cordoaria ver os peixes e os patos, por vezes visitávamos a nossa tia Carolina que vivia na rua do Barão de Forrester.
Já no eléctrico, normalmente o da linha 19, para passarmos ao Palácio e a volta ficar completa, recordava-mos as caixilharias brancas da bela fachada do Hospital de Santo António, para onde havíamos sido levados com cerca de quatro anos para nos retirarem das narinas grãos de milho e feijão que lá havíamos metido por traquinice de criança, que fomos buscar à saca das compras semanais que a nossa tia Palmira tinha trazido do mercado de Matosinhos.
Eram estes, enfim, os passeios com que a gente humilde se contentava mas que nos deixavam gratas recordações, nos ensinaram a apreciar e a gostar dos pormenores da nossa terra e da cidade grande mais próxima, o Porto; e também muitos dos conhecimentos que nos permitem agora registar e dar a conhecer aos mais novos e recordar aos mais velhos.
Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 5 - Julho/Agosto de 2008
Sempre conhecemos como entidade exploradora dos carros eléctricos, o Serviço de Transportes Colectivos do Porto, vulgo S.T.C.P., com sede na avenida da Boavista, onde nos deslocámos para tratarmos do passe de estudante, documento que nos permitia viajar para o Liceu Nacional D. Manuel II, no Porto, a um preço mais acessível. Estamos até convencidos que, para além do esforço de toda a família, principalmente do nosso pai, foi um facto que nos permitiu frequentar o liceu; pois, o acesso ao Porto era fácil e rápido, uma vez que de Matosinhos à Carvalhosa demorava trinta minutos, ao preço de 1$20 (doze tostões) mas que logo subiu para 1$50 (quinze tostões).
Sabemos também que o S.T.C.P. sucedeu à Companhia Carris de Ferro do Porto e à Companhia Carril Americano, as quais asseguraram durante muitos anos os transportes públicos para Matosinhos e Leça da Palmeira a tracção a vapor e a tracção animal, respectivamente. Mais modernamente passou a ser utilizada a tracção eléctrica.
Os carros americanos, a tracção animal ainda chegaram a vir a Leça, contudo do que as gerações menos novas se lembram é dos nossos queridos carros eléctricos, das linhas 1, 5, 16 e 19 que proporcionavam viagens maravilhosas nos seus trajectos do Porto até Leça e volta.
A Linha 1 era um espectáculo! Com um percurso ente a Praça da Liberdade (D. Pedro) e a praia de Leça da Palmeira, sempre pela marginal, junto ao mar, tendo normalmente um atrelado.
A Linha 5, também normalmente com atrelado, fazia o trajecto da praia de Leça ao Carmo, subindo a Avenida da Boavista, passava a rua do mesmo nome, Carvalhosa, Cedofeita, Praça de Carlos Alberto e Cordoaria, contornando o edifício da Faculdade de Ciências, passava os Leões, descia ao Hospital de Santo António, entrava na Rua do Rosário, vinha à Carvalhosa, retomando a partir daí o caminho de ida.
A Linha 16 fazia o percurso de Leça, junto ao actual quartel dos Bombeiros de Leça da Palmeira, onde fazia agulha; isto é, mudava de linha, tendo como consequência ser necessário virar os bancos, para o que os mesmos tinham as costas móveis. Subia a Avenida da Boavista em direcção à Praça da República, descia Gonçalo Cristóvão, entrando na Rua de Santa Catarina a caminho da Praça da Batalha, a qual contornava fazendo o mesmo percurso no regresso.
A Linha 19, fazia o trajecto entre a Praça da Liberdade e Leça, até junto aos bombeiros; subindo as ruas dos Clérigos e Carmelitas, atravessava a Praça dos Leões, jardim do Carregal, entrando na Rua de D. Manuel II, Palácio, rua Júlio Dinis, rotunda da Boavista (Praça Afonso de Albuquerque) descia a Avenida em direcção a esta nossa linda terra.
Feita esta vista panorâmica sobre os trajectos não podemos deixar de referir alguns episódios relacionados com carros eléctricos, que nos marcaram, como o acidente do nosso irmão Joaquim que quando tentava apanhar o eléctrico já em andamento, que o transportaria à Escola Industrial Infante D. Henrique, onde frequentava o curso de serralheiro mecânico, caiu, magoando-se imenso, levando a um prolongado internamento no Hospital de Matosinhos, tendo a nossa mãe Brízida em hora de aflição, prometido uma coroa em prata para Nossa Senhora de Fátima, que à data existia no Hospital. Ainda hoje a nossa mãe guarda as canetas e os lápis que o nosso irmão transportava no bolso do casaco e que ficaram esmagados sob os pesados rodados.
Mas nem tudo era triste, como o episódio que acabamos de contar, pois deslocando-se o nosso pai, semanalmente à segunda-feira, à rua dos Caldeireiros, na Cordoaria, para aquisição do material para trabalhar, por vezes levava-nos com ele, e nós muito pequenos como gostávamos daquela viagem comentada!
Apanhávamos o eléctrico da linha 5 no fim da nossa rua junto aos bombeiros, e depois de passada uma vista de olhos ao jornal eis que chegávamos à Circunvalação e aí começava a descrição pelo Castelo do Queijo. Subindo a Avenida da Boavista logo no inicio o Café Bela Cruz, depois eram os belos palacetes, a Fábrica dos Ingleses (William Grham) no Pinheiro Manso, entretanto chegávamos à Rotunda da Boavista, e já de longe comentávamos o Monumento à Guerra Peninsular, admirando lá no alto o leão em cima da águia. Na rua de Cedofeita não deixava de apontar o Bazar dos Três Vinténs repleto de brinquedos que nos limitávamos a ver na montra. Logo de seguida a Praça de Carlos Alberto com o momento aos Mortos das Grandes Guerras, e eis-nos chegados ao Jardim da Cordoaria, hoje completamente desfigurado.
Antes de regressarmos ainda íamos ver o Mercado do Bolhão, e ao lago da Cordoaria ver os peixes e os patos, por vezes visitávamos a nossa tia Carolina que vivia na rua do Barão de Forrester.
Já no eléctrico, normalmente o da linha 19, para passarmos ao Palácio e a volta ficar completa, recordava-mos as caixilharias brancas da bela fachada do Hospital de Santo António, para onde havíamos sido levados com cerca de quatro anos para nos retirarem das narinas grãos de milho e feijão que lá havíamos metido por traquinice de criança, que fomos buscar à saca das compras semanais que a nossa tia Palmira tinha trazido do mercado de Matosinhos.
Eram estes, enfim, os passeios com que a gente humilde se contentava mas que nos deixavam gratas recordações, nos ensinaram a apreciar e a gostar dos pormenores da nossa terra e da cidade grande mais próxima, o Porto; e também muitos dos conhecimentos que nos permitem agora registar e dar a conhecer aos mais novos e recordar aos mais velhos.
Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 5 - Julho/Agosto de 2008