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A Equipa Redactorial

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Capela da Boa Nova

Quando da realização da “Evocação do Naufrágio do Veronese” tivemos oportunidade de uma vez mais visitar a Capela da Boa Nova e apreciarmos alguns dos seus pormenores o que nos levou a reler alguns escritos nomeadamente o livro “Capelas de Leça da Palmeira” da autoria do nosso saudoso e querido amigo Sr. Jorge Bento, recordando também uma outra visita quando do casamento da nossa sobrinha Brízida Maria que com todo o seu gosto a decorou de forma brilhante.
Assim, resolvemos debruçarmo-nos um pouco sobre a dita capela.
Esta capela conhecida actualmente como da “Boa-Nova” ou de “S. João da Boa-Nova” foi, em tempos, oratório de S. Clemente das Penhas, onde se instalaram os frades franciscanos no século XIV, conforme nos diz Frei Manuel da Esperança, membro da Ordem dos Frades Menores de São Francisco, da Observância, na Província de Portugal e seu cronista; havendo contudo registos precisos da sua existência já em 1369.
Do antigo oratório e respectivo cenóbio ou conventinho, restam do lado Norte da Capela, a meia altura da respectiva parede uma cornija onde assentaria o vigamento do seu telhado.
Junto à porta da sacristia umas pequenas construções muito degradadas corresponderão às duas celas referidas por Frei João da Póvoa nas suas “Memórias”, onde se pode ler que quando os frades deixaram São Clemente e foram para Santa Maria da Conceição, ficou lá um frade só, e começaram a desfazer todo o mosteiro, aproveitando a pedra e desfazendo as casas todas, de tal modo que ficou apenas a igreja, a sacristia e duas celas.
Deste lado norte ficaria também o pequeno cemitério dos frades.
Na fachada Sul encontramos quatro cachorros ou modilhões onde assentam os frechais que recebiam a armação de madeira, do telhado que cobria esta construção. Estaremos assim, dentro do antigo convento delimitado pelos baixos muros aí existentes que seriam mais altos, formando a passagem do convento para a ermida com um pequeno telheiro e bancos para possíveis peregrinos ou romeiros.
Dadas algumas pistas para prova da antiguidade do monumento, descrevamos a sua fachada.
Após várias transformações por que deve ter passado, a capela apresenta dois pilares da mais simples das ordens romanas, a toscana, sobre os quais assentam cornijas em arco inflectido e cortado no vértice, sobre a qual apoia um pedestal com cruz latina.
Ao prumo dos ditos pilares temos pedestais encimados por pináculos simples.
As ombreiras e lintel da porta são lisos, sobrelevados por um frontão curvo cortado. Acima, ao centro, uma janela de quatro folhas e aos lados da porta, pequenos postigos rectangulares.
No seu interior encontramos um retábulo de talha do século XVIII, em estilo joanino. Quatro elegantes colunas de fustes lisos, anelados de ornatos e terminados por mimosos capitéis, firmes em pedestais adornados de aves e pequenos florões. Entre as colunas temos três nichos, sendo o central maior, e finamente orlados, onde estão as imagens da Senhora de Boa Nova, uma primorosa escultura de madeira policromada do principio do século XVII, à qual recorrem muitas vezes os interessados nos bons sucessos dos navegantes ausentes.
São João Baptista, esta também uma imagem em madeira policromada, mas do século XVIII, advogado das doenças da cabeça.
São Clemente, uma bela e bem conservada imagem do século XIV, em pedra de ançã, policromada, sendo a imagem mais antiga da freguesia de São Miguel de Leça da Palmeira.
Convém ainda referir uma pia de água benta, talhada em granito existente junto à porta que liga a humilde sacristia à capela-mor, original, e utilizada pelos frades ao entrarem nela.
Os frades mudaram-se em 1478 para o convento da Santa Maria da Conceição.
De registar também umas sepulturas rupestres que existiram na zona, que o progresso e algumas modernices se encarregaram de fazer desaparecer. Os moinhos de vento dos quais restam os ruínas de um, com a promessa da sua consolidação e enquadramento para preservação da memória.
Esta capela da Boa Nova serviu de guarida aos náufragos do navio inglês Veronese naufragado em 16 de Janeiro de 1913 que arrebatados pelos valentes bombeiros voluntários de Leça da Palmeira às ondas traiçoeiras através do cabo de vaivém, aí recebiam os primeiros socorros aguardando a transferência para o posto de desinfecção do Porto de Leixões ou lazareto, e onde foi rezada uma missa pelos mortos na data do primeiro aniversário do dito naufrágio.
Também aí, antes de se fazer a doca, as mulheres passavam as tardes nos rochedos, com trabalhos de roupa caseira, entretidas à espera dos navios que lhes traziam os familiares do Brasil, e quando os avistavam e reconheciam corriam a dar a Boa Nova.
Este ambiente e esta penedia da Boa Nova encantou os artistas, tais como os pintores António Carneiro, Artur Loureiro e Veloso Salgado e poetas como António Nobre que no “Só” escreve: Ó Boa Nova, ermida à beira-mar, / única flor, nessa vivalma de areais; / Na cal, o meu nome ainda lá deve estar / à chuva, ao vento, aos vagalhões, aos raios! / Ó poentes da Barra que fazem desmaios!... / … / Onde estais?
Ouvimos há pouco tempo o máximo responsável autárquico prometer a recuperação deste conjunto patrimonial, integrada nas obras da marginal que estão a decorrer, e esperamos que não passe apenas de promessa pois com todo o esforço que vem sendo feito pelos responsáveis e colaboradores da paróquia para a sua manutenção, as obras são mesmo urgentes.
Ah! E já agora aproveitem a ocasião para livrar a envolvente dos sinais que por lá proliferam de cultos obscuros e crendices macabras!
Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 2 - Abril de 2008