O título deste texto lembra uma frase muito conhecida, a que me abstenho de chamar “chavão”, dado que, apesar de repetida não perdeu significado: ‘Natal é quando um homem quiser’. E é mesmo: não apenas quando o calendário indica esta época e tudo à nossa volta o lembra. ‘Natal’ é sempre que não se passa indiferente ao lado do sofrimento dos irmãos, sempre que se divide com quem tem menos.
E houve “Natal” quase um mês antes da data no calendário, quando três nossos irmãos do Bairro dos Pobres de Rodão puderam passar a viver com alguma dignidade e não como animais, que era o que estava a acontecer já há alguns anos. A situação de um deles, Carlos, 30 anos, era absolutamente degradante. Desde a morte da mãe e do segundo casamento do pai passara a viver numa barraca que, ainda que feita de cimento, tinha servido de galinheiro da família. Tóxico-dependente em recuperação, foi assim, em condições absolutamente degradantes, que foi encontrado pelo nosso pároco.
Quando questionado sobre o que o levou a descer tanto na escala da dignidade humana, tinha uma história trágica para contar: o desgosto pela perda da mãe foi demasiado pesado de aguentar, a mulher que o pai escolheu para recompor a família acabou por não ser sensível à perda do enteado, a carência afectiva foi insuportável, o álcool e a droga surgiram como uma espécie de refúgio, mas também um ‘passaporte’ para fora da realidade, porque essa ficou impossível de aguentar. Daí passou a viver no referido galinheiro, cuja porta terá começado por ser parte de um cobertor que o tempo deteriorou até à condição recente de farrapo imundo.
No espaço propriamente dito e a que não sou capaz de chamar ‘quarto’, porque efectivamente nunca deixou de ser ‘galinheiro’, quase não conseguia entrar dada a exiguidade do tamanho, onde mal cabia aquilo que outrora terá sido uma cama, mas ultimamente era apenas um monte de andrajos. O Carlos atribui à falta da mãe a miséria a que chegou, já que os outros dois ‘seus vizinhos’ nesta situação desgraçada, não chegaram a tal ponto porque, nas suas palavras, “ainda têm mãe”. A sua, se ainda fosse viva, nunca o obrigaria a abrigar-se no ‘galinheiro’, nunca lhe cobraria dinheiro por um banho ou por uma sopa, como lhe fazia a actual companheira do pai. Assim, foi perdendo o interesse por tudo, ‘matando’ o tempo e morrendo também um pouquinho todos os dias… No entanto, nunca deixou de cumprir as sessões e prescrições do tratamento de desintoxicação em que tinha sido integrado pela Segurança Social. Foi essa a sua ‘estrelinha de Belém’ que não o deixou perder-se completamente no caminho. Hoje, o ‘galinheiro’ onde foi passando as horas de sono, foi substituído por um quarto com casa-de-banho, com espaço para circular à volta da cama, o que não acontecia, onde pode passar e passa mais tempo com alguma qualidade, mas sobretudo com a dignidade mínima que é exigível pela sua condição humana. O Sr. Altino Barbosa (mestre de carpintaria) fez o ‘boneco’ e construiu-se a nova habitação. No dia em que lá dormiu pela primeira vez, no início de Dezembro, o Carlos teve o seu primeiro ‘Natal’ deste ano. E se mesmo quando as condições eram miseravelmente degradantes ele nunca se perdeu totalmente, hoje que pode viver mais como gente, agarrou “com as duas mãos” o emprego que lhe arranjaram e agora que está recuperado da tóxico-dependência, está outro homem. Está, de forma visível para todos os que o conhecem, um novo homem; mas sente-se, ele próprio outro homem, porque recuperou a dignidade que circunstâncias da vida lhe tinham retirado, e por isso, readquiriu alegria de viver ao sentir que ainda é GENTE, porque este novo homem é também e sobretudo ainda jovem para perder a esperança…
Jesus ‘chegou’ mais cedo este ano. Houve ‘Natal’ verdadeiramente na vida do Carlos e na nossa Comunidade, porque temos todos que estar felizes pela oportunidade de vida que parecia perdida, mas se reencontrou, às portas do Natal, celebração do nascimento de Cristo Salvador, de 2007. Por isso, quando se diz que “Natal é quando um homem quiser”, pode parecer o tal “chavão”, mas não é, porque é só olhar bem à nossa volta, em todas as épocas do ano, para se perceber que pode ser mesmo quando cada um quiser.
E houve “Natal” quase um mês antes da data no calendário, quando três nossos irmãos do Bairro dos Pobres de Rodão puderam passar a viver com alguma dignidade e não como animais, que era o que estava a acontecer já há alguns anos. A situação de um deles, Carlos, 30 anos, era absolutamente degradante. Desde a morte da mãe e do segundo casamento do pai passara a viver numa barraca que, ainda que feita de cimento, tinha servido de galinheiro da família. Tóxico-dependente em recuperação, foi assim, em condições absolutamente degradantes, que foi encontrado pelo nosso pároco.
Quando questionado sobre o que o levou a descer tanto na escala da dignidade humana, tinha uma história trágica para contar: o desgosto pela perda da mãe foi demasiado pesado de aguentar, a mulher que o pai escolheu para recompor a família acabou por não ser sensível à perda do enteado, a carência afectiva foi insuportável, o álcool e a droga surgiram como uma espécie de refúgio, mas também um ‘passaporte’ para fora da realidade, porque essa ficou impossível de aguentar. Daí passou a viver no referido galinheiro, cuja porta terá começado por ser parte de um cobertor que o tempo deteriorou até à condição recente de farrapo imundo.
No espaço propriamente dito e a que não sou capaz de chamar ‘quarto’, porque efectivamente nunca deixou de ser ‘galinheiro’, quase não conseguia entrar dada a exiguidade do tamanho, onde mal cabia aquilo que outrora terá sido uma cama, mas ultimamente era apenas um monte de andrajos. O Carlos atribui à falta da mãe a miséria a que chegou, já que os outros dois ‘seus vizinhos’ nesta situação desgraçada, não chegaram a tal ponto porque, nas suas palavras, “ainda têm mãe”. A sua, se ainda fosse viva, nunca o obrigaria a abrigar-se no ‘galinheiro’, nunca lhe cobraria dinheiro por um banho ou por uma sopa, como lhe fazia a actual companheira do pai. Assim, foi perdendo o interesse por tudo, ‘matando’ o tempo e morrendo também um pouquinho todos os dias… No entanto, nunca deixou de cumprir as sessões e prescrições do tratamento de desintoxicação em que tinha sido integrado pela Segurança Social. Foi essa a sua ‘estrelinha de Belém’ que não o deixou perder-se completamente no caminho. Hoje, o ‘galinheiro’ onde foi passando as horas de sono, foi substituído por um quarto com casa-de-banho, com espaço para circular à volta da cama, o que não acontecia, onde pode passar e passa mais tempo com alguma qualidade, mas sobretudo com a dignidade mínima que é exigível pela sua condição humana. O Sr. Altino Barbosa (mestre de carpintaria) fez o ‘boneco’ e construiu-se a nova habitação. No dia em que lá dormiu pela primeira vez, no início de Dezembro, o Carlos teve o seu primeiro ‘Natal’ deste ano. E se mesmo quando as condições eram miseravelmente degradantes ele nunca se perdeu totalmente, hoje que pode viver mais como gente, agarrou “com as duas mãos” o emprego que lhe arranjaram e agora que está recuperado da tóxico-dependência, está outro homem. Está, de forma visível para todos os que o conhecem, um novo homem; mas sente-se, ele próprio outro homem, porque recuperou a dignidade que circunstâncias da vida lhe tinham retirado, e por isso, readquiriu alegria de viver ao sentir que ainda é GENTE, porque este novo homem é também e sobretudo ainda jovem para perder a esperança…
Jesus ‘chegou’ mais cedo este ano. Houve ‘Natal’ verdadeiramente na vida do Carlos e na nossa Comunidade, porque temos todos que estar felizes pela oportunidade de vida que parecia perdida, mas se reencontrou, às portas do Natal, celebração do nascimento de Cristo Salvador, de 2007. Por isso, quando se diz que “Natal é quando um homem quiser”, pode parecer o tal “chavão”, mas não é, porque é só olhar bem à nossa volta, em todas as épocas do ano, para se perceber que pode ser mesmo quando cada um quiser.
Marina Sequeira
in "A Voz de Leça", Ano LIV - Número 9 - Dezembro de 2007
in "A Voz de Leça", Ano LIV - Número 9 - Dezembro de 2007